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CADÊ A ESCOLA QUE ESTAVA AQUI?

26 de outubro de 2020

Equipe da Síntese

A Ciranda com mães e pais foi realizada no dia 21 de outubro de 2020 e teve a sua origem na primeira Ciranda de Educadores on-line, realizada em 02 de setembro com o mesmo tema.

As Cirandas promovidas pela equipe da Síntese, desde 1999, são organizadas com assuntos de interesse social tendo, primeiramente, uma apresentação que contempla a temática escolhida para oferecer ao grupo informações a serem debatidas e ampliadas no segundo momento.

No texto abaixo, apresentaremos a síntese do primeiro e segundo momentos, nomeados respectivamente, de disparador e de roda/rede de conversa.

DISPARADOR 

Sendo a aprendizagem nossa área de interesse e atuação profissional, vimo-nos motivadas a conversar com os educadores, num primeiro momento, e agora com mães e pais sobre a vivência que se apresentou a partir do início deste ano, quando os noticiários anunciaram o fechamento de cidades como medida para conter a epidemia que teve o seu início na longínqua China.

O que nos interessa em especial, é refletir com pais e mães sobre esta experiência inesperada e completamente nova que de lá de longe chegou até nós, a partir de março de 2020.

A forma encontrada e que atende as necessidades do momento, foi  enviar algumas perguntas, por e-mail e WhatsApp, organizadas no formato de um questionário. Assim, mães e pais puderam relatar suas vivências a partir do “desaparecimento da escola”, como vinha sendo experienciada, até fevereiro de 2020.

Participaram da nossa escuta, 46 mães e pais. A maioria, trabalha fora. Grande parte das crianças frequenta a escola de Educação Infantil e do Ensino Fundamental I. Tivemos, também, a oportunidade de ouvir,  apesar de que em menor número, a vivência de mães e pais com filhos no Ensino Fundamental II e no Ensino Médio. A maioria das famílias possue 2 filhos, mas ouvimos também a experiência de famílias com um e com três filhos.

Uma das perguntas formuladas foi: cadê a escola que estava aqui?

Como já imaginávamos, pais e mães atônitos trouxeram: …sumiu…desapareceu e num piscar de olhos se mudou para dentro da minha casa; num primeiro momento, eram só umas férias mais longas, depois um tempo maior do que o esperado e, finalmente, a urgência de se adaptar a criação de uma nova rotina, ao acúmulo de funções num mesmo espaço e, por vezes, num mesmo tempo.

Surgiu a necessidade de clarear e delimitar, para todos da família, o que passa a ser espaço público e espaço privado. Onde e como fica o professor, o aluno, o profissional, o pai, a mãe e o filho, sem contar o casal, a mulher e o homem. Tudo isso sem poder escapar do cansaço, da confusão, do medo, da ansiedade, da insegurança frente ao desconhecido.

Muitos viveram um momento de perplexidade e, aos poucos, foram e vão buscando novas maneiras de organizar a rotina, de construir formas de trabalhar e de atender as demais necessidades.

Muitos pais e mães, à duras penas, por que não existe outra forma, estão reaprendendo, reinventando-se e se permitindo enxergar ganhos também. Se existe um lado difícil e trabalhoso, deve existir um lado bom, um lado no qual o acolhimento pode ser vivenciado pela proximidade, pelo partilhar as tarefas, pela possibilidade de aprofundar o autoconhecimento e o conhecimento do outro, pela possibilidade de aprimorar a empatia, de se colocar no lugar do outro e de possibilitar a ampliação do grau de autonomia dos menores.

A seguir, com as respostas à segunda pergunta passamos a conhecer a experiência destes pais a respeito da escola on-line.

Este momento complicado impõem o afastamento social, o  # fique em casa.

Os eletrônicos que vinham se impondo e traziam grandes preocupações sobre a quantidade de tempo que estavam ocupando na vida dos adultos e, em especial, dos jovens e crianças, em detrimento das relações presenciais, das experiências ao ar livre, do fazer, do construir concretamente, de forma avassaladora, se apresenta como uma possibilidade viável da vida relacional, no trabalho, na escola, nas trocas com amigos e familiares. O mundo se transforma em realidade virtual.

Pais se veem à frente da necessidade de construir esta nova forma de relação – a virtual. Como suprir esta necessidade? Todos precisam ter os aparelhos eletrônicos para se relacionarem com o trabalho, com os estudos, com os familiares, com os amigos, para a aquisição de produtos em supermercado, farmácia, entre outros.

Pais e mães relataram que, num primeiro momento, foi muito difícil ensinar aos seus filhos esta nova maneira de entrar em contato com as pessoas. As crianças maiores, muitas vezes, assumiram uma postura de controle, saindo e entrado de suas aulas, sem avaliar a necessidade de estarem presentes; desligam as câmeras e as ligam ao seu bel prazer; outras não conseguem se fazer ouvir e não se sentem ouvidas, misturam o espaço privado com o público, se atrapalham para compreender e fazer o que era pedido pelo(a) professor(a), sentem-se tristes, sem entusiasmo.

Para as mães e pais, ouvidos na pesquisa,  é necessário reorganizar as regras, construir fronteiras claras entre o público e o privado, ensinando como estar vestido, como se comportar, como organizar o espaço da aula, o material a ser utilizado, o que é tarefa escolar para ser feita fora da aula on-line.  Como fazer para entregar as tarefas, as avaliações encaminhadas pela escola? Como organizar tempo para estar com os colegas, os amigos? Como resolver o acúmulo de tarefas dos pais e mães? E a possibilidade de um tempo ocioso demais para as  crianças e adolescentes?

As mães e pais de crianças menores, apesar de se preocuparem com muitos destes aspectos acima citados, se sentiam menos preocupados com as questões escolares, mas se mostraram preocupados com a necessidade das crianças conviverem com outras crianças, já que o contato on-line é mais difícil para elas e, muitas vezes, o que ficava destes contatos era desinteressante e superficial. Como viver a escola que socializa, que permite a experiência da vivência no coletivo?

Pais e mães relataram que os quintais, para os que moram em casa, foi um grande facilitador. Os que moram em apartamento viram a necessidade de encontrar espaços sem aglomeração para que as crianças pudessem correr, respirar ar fresco, entrar em contato com a natureza.

Outros, se mostraram muito preocupados com a quantidade de tempo que as crianças e adolescentes acabam permanecendo na Tv; tabletes e celulares. Alguns, estão preocupados com o tempo que seus filhos permanecem sozinhos.

Os pais e as mães escreveram também, sobre o que desejam para a escola do futuro, a escola pós pandemia.

Ao analisar estas respostas pudemos concluir que as expectativas de pais e mães não são diferentes das que sempre foram. Porém, o que é natural neste momento, um grande número de pais expressou a angústia, o medo e a insegurança que a situação impõe, aspectos que precisarão, sem dúvidas, serem levados em consideração no retorno às aulas presenciais.

A novidade foi a objetividade e a firmeza com que pais e mães reafirmaram muitas de suas convicções: que esperam a escola, ainda mais, como espaço de respeito aos professores, por aqueles que cuidam, de modo geral da escola, pelos alunos e pela vivência social importante que as crianças desenvolvem nesta convivência.

Pais e mães relatam que precisam rever o valor dado aos conteúdos, pois consideram que existem aprendizagens muito mais importantes para serem incrementadas como: a experiência de viver o coletivo; da escola ser um espaço de acolhimento e aprendizagem para a expressão de afetos, sentimentos e emoções; de busca para aprendizagens mais autênticas onde o construir e o fazer sejam incrementados; e que exista espaço para  as crianças sonharem.

Confirmam a importância do ensino presencial. Dizem que valorizar e dar condições de aprimoramento aos professores é muito importante. Percebem de forma mais efetiva a importância da troca entre as famílias e a escola.

Muitos estão preocupados com o aumento de alunos que deverá ocorrer nas escolas públicas e a necessidade de incrementar políticas públicas para salvaguardar a qualidade do ensino, a segurança de professores, alunos e demais pessoas envolvidas com o processo da escola.

Alguns falam da importância de espaços físicos mais apropriados e que a vivência nos espaços de natureza façam parte dos conteúdos curriculares.

Mães e pais avaliam a importância das aprendizagens ocorridas neste tempo de “escola em casa”, e acreditam que esta vivência precisa ser integrada à esta escola que se reinventa, reaprende e se transforma; em especial às aprendizagens  proporcionadas pela utilização muito frequente, dos aparelhos eletrônicos que precisa continuar se aprimorando e se adequando às necessidades que vão surgir.

Todas as preocupações e sugestões são legítimas, porém, é importante termos a consciência de que estamos reaprendendo, construindo formas de poder lidar com tudo o que temos vivido neste ano. Precisamos refletir e avaliar processos que já vinham acontecendo, analisar o que já sabemos e temos, que pode ser usado, adaptado ou transformado. Refletir sobre muitas coisas que as crianças também aprenderam como por exemplo: puderam se sentir mais responsáveis pela casa; puderam vivenciar novas formas de utilizar os eletrônicos; experimentaram, gradativamente, outras formas de se relacionar com a escola, seus integrantes e suas tarefas.

RODA/REDE DE CONVERSA

O convite foi para cirandarmos a partir do nosso lugar na família, como mãe, pai, como avó, avô, tia ou tio ou de qualquer outro lugar que nos aproxime de crianças e jovens em processo de escolarização.

A ciranda iniciou sua dança com uma avó que apresentou a sua preocupação com a escola do convívio, que não existiu neste tempo de afastamento. A neta de 13 para 14 anos não adolesceu. Não pode participar dos tititis que acontecem nos intervalos, na escola; não pode participar das festinhas, experimentar os namoricos e está lutando entre crescer e brincar com as bonecas. O neto com 16/17 anos entristeceu. Logo as mães falaram sobre filhos e filhas desta faixa etária para cima: a filha que está no 9º ano perdeu, também em termos relacionais, as vivências a respeito da formatura, as decisões a serem tomadas, as escolhas a serem realizadas; o filho universitário teve restrições em sua vida universitária, assim como todos os universitários que não mais puderam se encontrar nos bares próximos às Universidades; sem as práticas nos laboratórios, sem os encontros para estudos, e para o social. Estão represados, impedidos de viver a fase do movimento, da turbulência… O que houve com esta faixa etária?  Talvez esta seja uma preocupação somente dos adultos… Talvez, para eles, esteja confortável!

Logo um pai, de filhos de uma faixa etária menor, apresenta-se e relata que os filhos, entre nove e doze anos trazem outro tipo de preocupação, pois estão acomodados, não querem sair de casa. Encontram-se on-line, jogam on-line, gostam de brincar sozinhos e não aceitam propostas de sair, ir para à praça, caminhar… Uma das mães presentes, com seu filho de 12 anos, confirma o comportamento do filho, trazido por este pai. Acresce que, nas aulas on-line experimenta fechar as janelas, ficar em outro lugar, que não na aula e, na primeira oportunidade para sair não aceita, está sendo necessário impor a saída. Parece que se encontram numa posição confortável, sem vontade de falar, de estar na escola e até com os amigos. Um dado novo que aparece, com muita intensidade, neste caso, é o medo. E os cirandeiros se perguntam: será que sem querer a gente vem alimentando este medo? Gostaríamos que na volta à escola eles tivessem o mínimo de medo possível.  Em um outro relato aparece a criança desta faixa etária que, ao retomar caminhadas, sente falta de ar.

Chegou o momento de avós e mães falarem das crianças pequenas até mais ou menos 7 anos. Cada uma delas com diferentes necessidades: de encontrar amigas, de terem um celular ou qualquer outro recurso eletrônico para poderem se comunicar com os colegas; a necessidade de ter um lugar na casa para simbolizar a escola e as atividades que realizavam lá; de ajudar em casa, como uma atividade que dá mais sentido a este período; de manter atividades corporais como aulas de dança; saídas para a natureza, brincadeiras ao ar livre e manter rotinas para que o tempo fique marcado, ajuda a organização dos sentimentos.

As escolas que conseguiram manter seus horários, segundo estas avós e mães, contribuíram para o funcionamento da família. E o grupo que cirandava falou da importância do adulto em pegar esta tarefa para si visando a segurança dos pequenos. E formulou nova pergunta: quais as dificuldades e facilidades estas crianças encontraram dentro de suas casas? Quais foram os ganhos? E as perdas? 

As famílias ali representadas por mães, pais, avós se viram vivendo os momentos destacados no resultado da sondagem apresentado pela psicóloga Virgínia Alice Rodrigues de Oliveira: momentos de confusão, de cansaço, de uma primeira organização; de uma segunda organização até o momento atual que ainda é de muitas incertezas. Relatam que a família aprendeu a compartilhar depois de desentendimentos; aprendeu a flexibilizar a rotina; aprendeu a colocar limites, mesmo que isso não agradasse sempre; aprendeu a estar junto, a descobrir características de cada um, a se respeitar e a entender que o excesso de proteção pode impedir o desenvolvimento da autonomia e gerar os medos daquilo que está fora, que está sendo muito falado e que é invisível. Estar sempre em casa acabou alimentando a dependência e não a coragem, o desejo de enfrentar. Com isso podem aparecer problemas com o sono, com alimentação e com o uso desregulado dos eletrônicos. Neste momento discutiu-se a questão do uso dos eletrônicos que eram tão controlados para as crianças pequenas e que agora está sendo necessário rever. Alguém disse: vivemos um processo de alfabetização virtual. Para colocar limites e ao mesmo tempo permitir que se utilizem os instrumentos tecnológicos para poderem ter um convívio virtual.

A primeira Ciranda on-line com Mães e Pais se encerra com um assinalamento da psicóloga Vera Lúcia Germano Sicuro (coordenadora da roda/rede de conversa) para a necessidade de discriminação dos espaços público e privado que têm se misturado na maioria dos lares. Sugere a observação sobre como as famílias dividem seus espaços, suas tarefas, neste momento em que perdemos marcadores importantes de tempo: a hora de trabalhar, de descansar, de realizar os afazeres domésticos, de acompanhar os estudos dos filhos, entre outras atividades que se entrecruzam na dinâmica de cada lar.

O grupo avaliou a participação na Ciranda por meio de palavras que representaram a vivência de cada um no encontro: resiliência, acolhimento, interação, estratégia, experiências, oportunidade, apoio, aprendizado, reflexões, experiências compartilhadas, vivências, compartilhamento, positivo, de experiências, deliciosa partilha… Gostei muito! Muito especial. Foi bom para compartilhar: medos, angústias, experiências e, por que não? Alegrias.

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